quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Relato de Parto Domiciliar de Marcelle Tanylle

RELATO DE PARTO DOMICILIAR DE MARCELLE TANYLLE - NASCIMENTO DE RAFFAEL BERNARDO



Ela deixou a obstetra que queria marcar a sua cesariana desnecessária e pariu em casa!
em Maceió.


Meu Relato de Parto!

Nascimento do Raffael Bernardo, um renascimento!

Minha mãe teve três partos normais e eu sempre soube que quando engravidasse queria ter meus filhos de forma natural, primeiro pelo exemplo que tive da minha genitora, depois por ter noção que a natureza é perfeita e fez o corpo da mulher fisiologicamente desenhado para parir e por último e não menos importante por ter pavor de qualquer tipo de cirurgia e cortes.

Então meu relato começa do fim, isso mesmo, do fim da vida.Contraditório relatar um nascimento falando de morte, mas assim é a vida: encontros e despedidas! Perdi essa que sempre foi o maior exemplo da minha vida, minha mãe, minha amiga, ela faleceu repentinamente de um aneurisma no dia 08/06/2013.

Eu que sempre quis ser mãe, naquele momento quando tudo desabou percebi que sem minha mãe nada mais teria sentido, colocar uma criança no mundo não fazia mais parte dos meus planos sem ela por perto para está ao meu lado, então na minha cabeça essa ideia estava abortada.Mas os mistérios de Deus nos cerca de forma tão maravilhosa que ao descobrir a gravidez, não quis aceitar, não me imaginava passar por toda essa fase sem a presença dela na minha vida, porém logo veio a fase da aceitação como um sinal de Deus, foi logo na primeira US, o nome da médica que realizou o exame, Ana Maria, o mesmo nome da minha mãe e a data prevista para o nascimento de acordo com o resultado era 08/06/2014, exatamente um ano depois do falecimento da minha mãe e foi assim em todas as US’s, pois era a data exata quando eu completava as 40 semanas. 

Depois dessa surpresa, encarei a gravidez de forma mais segura, sabia que independente da presença física, minha mãe estaria sempre comigo e esse foi o sinal que me fez acordar e abrir meu coração para a chegada do meu filho, ele significava esperança renovada, alegria e acima de tudo renascimento.Como descobri a gravidez com 2 meses, sabia que já estava atrasada no pré-natal e daí começou minha corrida para conseguir consulta com uma GO. A Dra. Cristina Cabús que tinha data mais próxima, então foi com ela mesmo que fiz todo o acompanhamento, de cara informei logo que queria que meu parto fosse normal, e eles como sempre dizem, temos que ver a evolução se realmente será possível, porém ciente de que não pagaria a ela pela exclusividade no momento do parto, iria fazer com um plantonista no Hospital da Unimed.

Ao longo de toda gestação fui estudando, lendo, e buscando informação a cerca desse novo mundo que agora me inseria. Fato que a princípio me chamou atenção foi uma reportagem sobre violência obstétrica, e lembro que postei algo a respeito no facebook, foi quando Priscila, uma amiga da universidade que também estava gestante e a muito não nos falávamos, me alertou a respeito dos possíveis riscos que correria, poderia ter meu parto normal roubado e possivelmente seria encaminhada para uma cesárea nas mãos de plantonistas e aquilo a princípio me deixou em pânico, mas eu estava tão confiante que teria meu parto normal mas ainda assim ela ficou me instigando e me indicou o grupo Roda Gestante e também outras leituras como o blog da Dra Melânia Amorim. 

Continuei estudando e logo de cara no grupo a primeira pessoa que conheci foi a Shayana, e sua primeira pergunta diante do meu dilema foi: Por que você não tem seu filho em casa? Se ela estivesse na minha frente teria visto meus olhinhos brilharem, mas via aquela realidade bem distante de mim, por conta do meu esposo, que jamais permitiria e eu sabia que ele não teria condições psicológicas para tanto, não aguentaria a pressão. Ela me enviou o vídeo do seu parto domiciliar e eu achei maravilhoso e só Deus sabe o quanto eu queria aquilo pra mim, mostrei ao meu esposo que de cara não quis nem assistir, mas depois fiz ele assistir umas 3 vezes ou mais para se acostumar com o parto normal, já que queria ele presente e inserido no contesto mesmo sendo o meu um parto hospitalar. 

Conversas vão, conversas vêm, artigos, noticias, blogs, entrevistas descobri muito mais a cerca do grande mistério do parir, descobri tudo o que eu não queria que acontecesse comigo, episio, ocitocina sintética, e tudo aquilo que sabemos que é de praxe nos hospitais brasileiros. Percebi que precisava de uma Doula para melhor me orientar e me dar todo apoio no meu grande momento. Foi em maio com 35 semanas que me indicaram a Barbara Rose e seu curso de doulas e lá fui conquistada por duas doulas voluntárias Carol e Lavínia, sim duas, pois uma ficaria como back up. Fizemos reunião e lá nasceu meu plano de parto, os dias se passavam e eu ficava mais confiante e empoderada. Tinha que fazer valer aquele documento de qualquer jeito!

Na minha última consulta com a GO, um alerta: “ hum...está tudo bem com você, mas seu bebê está com circular de cordão, você sabe que nesses casos tem que ser feito uma cesária por segurança” Eu: “Não doutora, meu parto vai ser normal, não existe indicação para cesária de cordão enrrolado.” Ela: “Olhe mãe, se caso der errado num parto normal a responsabilidade é toda sua, nessas horas não tem escolha você tem que fazer o que é melhor para o bebê, pois ele pode entrar em sofrimento fetal e depois as mães colocam toda culpa no medico que realizou e mais você tem pavor de cirurgia mas lembre-se que o parto normal também é uma cirurgia por conta da episio, tem que fazer o corte no perínio para o beber nascer”. Nessa hora vi o quanto ela era cesarista e como não era ela mesmo que ia fazer meu parto decidi me poupar e não abri uma discussão naquele momento, apenas fui embora sem meu cartão pré-natal que ela me negou e no final de tudo também me negou o atestado de 120 dias para dar entrada na minha licença maternidade quando soube que pari em casa.

A essa altura já tinha visitado até a sala de parto humanizado do Hospital Unimed, Santa Casa e conversei com alguns médicos plantonistas que diziam fazer o PN. Com 39 semanas estava pronta pra brigar pelo meu parto, mas algo me dizia que eu precisava de mais, como estava com uma cólica fui junto com meu esposo ao hospital da Unimed, onde eu pretendia ter meu filho na sala de parto humanizado, mas na verdade meu intuito era mais conversar novamente com um plantonista e ver se existia a possibilidade de reservar a sala e lá tomei um choque de realidade.Ele simplesmente disse: “se você quiser ter um parto natural venha para o hospital já no último minuto perto de parir”, “Na sala do parto humanizado, pouco se faz parto normal, como o hospital sempre está cheio realizamos lá muitas cesárias”, “temos poucas maternidades, poucos obstetras plantonistas e muitas gestantes prestes a parir” dentre outras coisas ditas, por último o que ele disse foi a gota d’água: “Agora por exemplo, se você entrasse em trabalho de parto, não teríamos leito disponível aqui no hospital e em nenhum outro atendido pela Unimed”. Sem contar o agravante de está prestes a parir em véspera de Copa do Mundo e São João, daí entendi o motivo da falta de leitos, cesárias eletivas agendadas, triste constatação, mas era a minha realidade, rezar para ter meu direito de escolha respeitado.

Pronto, depois dessa, meu marido olhou pra mim e disse: “Se for assim é melhor ter meu filho em casa!” Essa era a abertura que eu precisava. Oba! Pensei comigo. Um momento como esse que a mulher precisa de tranquilidade ter que tá me humilhando atrás de vaga de hospital em hospital não era mesmo o que eu queria pra mim e fui atrás de uma equipe de parto domiciliar, foi então que conheci a Juliana Oliveira, do Jardim das Comadres, tinha recebido ótimas indicações e também vi o vídeo do parto de Shay comandado por ela! Reunião marcada, tudo acertado, agora era só esperar o grande dia chegar.

Domingo 08/06/2014: Completei 40 semanas e 1 ano sem minha mãe, dia de missa e visita ao cemitério, muita emoção! Meu tampão já tinha saído a uns 3 dias e eu sabia que podia ser a qualquer momento.Segunda 09/06/2014: Após mais de 150 dias na UTI, morre meu avô por parte de pai, fiz questão de ir ao hospital e liberar o corpo junto com meu pai, dia difícil, muito triste e mais emoção. De noite ia para o velório mas algo me dizia para ficar em casa, afinal o dia seguinte ia ser um dia cheio, cemitério, sepultamento e assim eu fiz.

Minha barriga tinha ficado contraída o dia inteiro, já estava na cama pronta pra dormir assistindo novela e meu esposo dormindo ao meu lado. Às 22:25 senti minha bolsa estourar, acordei ele e calmamente fui tomar um banho, coloquei um absorvente e fui ligar para o meu irmão que estava no velório do meu avô e que junto com minha cunhada acompanhariam meu parto. Logo em seguida liguei para as minhas doulas e para a equipe da Ju, antes de meia noite estavam todas aqui, foram feitas as primeiras avaliações, tudo ok agora era só ir controlando o tempo das contrações. Por incrível que pareça eu não sentia dores nas contrações. Tudo para mim estava sendo tão mágico e eu não via a hora de ter meu bebê nos braços. Estávamos escutando a seleção de músicas escolhidas para o momento, foi tudo do jeito que imaginei, fiz tudo o que me deu vontade, comi, dancei com meu marido, dormi, namorei, recebi massagem das doulas e do meu irmão, fiz exercícios na bola suíça, tomei banho quente para relaxar, fiquei na banheira um bom tempo.

Às 3:30 da manhã 7cm de dilatação logo em seguida queda de energia, ficamos sem energia por um longo tempo, mas o dia já amanhecia e às 6 da manhã já tinha chegado a dilatação total, 10 cm, mas ainda estava longe do bebê nascer.Com frequência os batimentos do Raffinha eram monitorados pela querida Ju e fomos aguardando o momento dele. Assim foram se passando as horas e como eu não sentia dor o motorzinho das contrações também não era impulsionado para que ele fosse descendo o canal vaginal. Mas ele sabia o momento que queria nascer. Foram horas enchendo banheira e doze delas de fogo ligado esquentando agua, pois tinha que está morninha para recebê-lo.

Às 11 horas começaram os puxos, mas nada dele vim. Da minha boca apenas gemidos compassados, e do meu corpo força, nesses momentos a banqueta foi muito minha amiga, super me ajudou e assim se passaram 16 horas passeando pela casa para estimular, várias idas e vindas da banheira para o banheiro sentadinha na banqueta, mas sabia que não queria que ele nascesse lá. Já cansada, quando eu achava que não conseguia mais, que não aguentaria, minhas doulas foram fundamentais, deram força , apoio e a todo momento diziam que eu estava maravilhosa e que logo o Raffinha chegaria, lindo e cheio de vida. Durante todo tempo recebi muito carinho das minhas doulas, elas foram um show à parte, tive o privilégio de ter 4 maravilhosas comigo se revezando, as duas voluntárias, a Fernanda da equipe do PD e a Bárbara Rose convidada para acompanhar um PD pela primeira vez, veio de bônus pra mim.

Mas tudo só estava sendo possível porque acreditei em mim e no meu poder de mulher e tudo fluiu perfeitamente bem graças a Deus. Por volta de meio-dia a energia voltou, no momento do expulsivo me emocionei muito ao ver que ele estava descendo e pude tocar na cabecinha dele enquanto ainda descia pelo canal. Exatamente às 13:13 do dia 10/06/2014 o Raffael Bernardo veio ao mundo, numa generosidade incrível comigo, na água, tranquilo, sem choro, com uma circular de cordão, 48cm e 3.130g ao som de “Encontros e Despedias” de Milton Nascimento na voz de Maria Rita, canção que tinha escolhido por conta desse momento que vivi com a perda da minha mãe e a descoberta da gravidez, coincidência? Ainda não! Quando disse que ele sabia a hora que queria nascer é porque ele tinha um propósito, assim que ele veio ao mundo e eu pude pegá-lo nos braços, meu irmão ligou para meu pai falando a boa nova e por incrível que pareça naquele exato momento meu avô estava descendo a sepultura. 

Meu filho é o símbolo do renascimento, veio para renovar as esperanças da nossa família. Sei que não poderia ter vivenciado experiência tão única na minha vida, tão sublime, ver a emoção do meu irmão quando viu o sobrinho nascer, o nervoso do meu marido com a demora da chegada, a competência de toda a equipe que me acompanhou, sinceramente sei que foi o melhor parto que pude dar ao meu filho, da forma como ele merecia vim ao mundo, da forma mais humanizada possível, sem nenhuma intervenção e com todo amor no aconchego do nosso lar com pessoas que amamos. Sensação indescritível vê-lo pegando meu peito na sua primeira mamada logo em seguida ao nascimento.

Ao final de tudo considero o meu parto orgástico, puro prazer, tanto amor e apenas gemidos que os vizinhos nem desconfiaram que estivesse acontecendo um parto no apê ao lado. Eu só tenho a agradecer a Deus por me permitir viver a maternidade e as minhas “cumade” só tenho elogios a toda a equipe, agora é um vínculo que fica pra sempre, obrigada Jú, Nanda e Van, foi tudo muito mais além do que imaginei. Até hoje quase dois meses depois ainda estou ocitocinada, é muito amor. O empoderamento é tanto que pretendo doular também, estou super afim de fazer o curso e daí poder partejar bem muito, quero que muitas mães vivam esse amor, essa doação.. 

Sei que se não tivesse me empoderado ao ponto de parir em casa com certeza hoje meu depoimento seria outro, cheio de traumas e decepções pois sei que meu futuro num parto hospitalar seria uma cesária ou então um parto normal cheio de intervenções, afinal qual médico aguardaria 16 horas de bolsa rota, não é mesmo?

*Parto: Grupo Jardim das Comadres, Maceió/AL.

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