quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Relato de Parto Domiciliar de Cinira Honorato

RELATO DE PARTO DOMICILIAR DE CINIRA HONORATO - NASCIMENTO DO CAUÃ



em Maceió.


Relato de parto de Cauã - por Cinira Honorato

Bebê quase completando quatro meses e eu, finalmente, escrevendo o relato de parto. Mil motivos para tanta demora: puerpério profundo e doloroso, dificuldades para amamentar, corre-corre dos cuidados diários com a cria, maternada ativamente e com apego, muito apego!

Mas isso são outros relatos, vamos ao parto!
Parto pra mim sempre foi normal. Primeiro porque minha mãe teve os dois filhos dela de parto normal. Segundo porque todo mundo que eu conhecia dizia que era muito melhor “porque a recuperação é rápida!”. Terceiro porque eu nunca passei por qualquer evento cirúrgico e simplesmente MORRO DE MEDO DISSO.

Descobri que estava grávida com o famoso teste de farmácia e corri pra contar pra minha amiga Fernanda, a qual já estava me acompanhando na dúvida pré-teste de gravidez. Corria pra conversar com ela pois era uma das minhas referências de mãe exemplar (hohohohoho, ela vai morrer com isso!), dedicada à cria e estudiosa do ser mãe, ativista pelo parto humanizado, feminista, quem melhor? Como vocês podem deduzir, foi ela quem me apresentou ao mundo do parto humanizado. Foi assim: quando descobri a gravidez, ela me adicionou ao Roda Gestante (grupo de incentivo ao parto normal) e eu iniciei minha busca, afinal, “essa é uma porta que se abre por dentro!”

Li muitos relatos, vi muitos vídeos, li muitas reportagens, estudos e artigos científicos. E como não poderia ser diferente, me decidi e sonhava com um PARTO DOMICILIAR (PD). Quando achei que tinha embasamento o suficiente, fui até a minha mãe e falei da minha decisão, ela ouviu todo o meu discurso sobre violência obstétrica, machismo, patriarcado, industrialização, capitalismo, coisificação, empoderamento e protagonismo feminino e no final, disse que se sentia muito orgulhosa do caminho que eu estava buscando. Conversamos mais e foi quando, pela primeira vez, ela se deu conta de que havia sofrido violências obstétricas nos dois partos dela e isso foi muito libertador.

Mãe convencida e me apoiando, faltava o marido que dizia “eu apóio mas não concordo”! Comecei a marcar o marido em tudo quanto era texto que lia no Facebook (importante aliado nessa busca) e enviava tudo quanto era de link de artigo científico, vídeos e relatos de parto, depois chamava pra conversar e assim, fomos nos empoderando juntos! Seguia buscando informações, me preocupando com o parto, esquecendo a gestação, me alimentava mal, não fazia exercícios, vivia constantemente estressada e totalmente desconectada do meu filho, e ainda por cima, fazendo um pré-natal muito meia-boca com o ginecologista-obstetra (go) do plano, go que no meu caso era só g, já que ele não fazia parto (OI?).

Deixa eu explicar, é que na metade do meu empoderamento eu achava que podia fazer pré-natal meia-boca com aquele g, parir em casa com equipe humanizada e ter de back-up o plantonista do plano. Confiava no meu empoderamento e no do meu marido, além do fato de sermos policiais militares (sim, eu pensava em ir parir armada, caso fosse pro hospital, pronta para dar voz de prisão a quem tentasse violar meu corpo ou meus direitos), no entanto, como continuei a pesquisar e ler relatos de parto, vi que mesmo muitas mulheres empoderadas e conscientes de seus corpos foram violentadas, porque o sistema é forte, é cruel e porque a mulher se encontra totalmente despida de qualquer armadura, crua, aberta, com seu interior aflorado, exposto e sinceramente, eu queria paz e beleza nesse momento, e não ter de brigar para não ser violentada.

Até que, golpe do destino, tive um pico hipertensivo no 5º mês de gestação (150x100) no consultório do g e meu mundo veio abaixo, porque pra mim aquele era o adeus ao tão desejado PD. Busquei apoio e me orientaram a buscar um GO, de verdade, maiúsculo e eu fui, liguei pra ele, Dr Antônio Sérgio, que só tinha agenda pra dali a dois meses, falei de mim, do que queria, e ele me marcou pra dali a 15 dias e disse: “Agora segura esse peso que você não pode engordar mais e corta tudo de sal e sódio”. Eu comecei então a fazer hidroginástica três vezes por semana e a caminhar 5km nos outros dois dias, voltei a subir e descer escadas (coisa que tinha parado de fazer porque mãezinha não pode!) e voltei a ter uma alimentação mais saudável, cortando todo o sal e sódio possível, pra vocês terem uma idéia, nem banho de mar eu tomava mais (porque o mar é salgado), coisa que me rendeu um apelido carinhosamente posto pelo marido de “a doida do sal”.

Paralelo a isso, outro golpe do destino, descubro que a irmã de uma grande amiga dos tempos de colégio (Zél) era enfermeira-obstetra e a favor do parto humanizado, Giselle. Liguei na hora, marquei pra conversar e ela veio, linda, delicada, segura, amorosa e me disse que o PD não estava descartado ainda e se eu conseguisse controlar a minha PA e o médico atestasse, eu poderia parir em casa! Vivaaaaa! O ânimo voltou! Foram quatro meses de uma dieta rigorosa, de vários exames para atestar o bom funcionamento do meu corpo, da placenta; de exercícios físicos todo santo dia, mesmo debaixo de chuva; de muita leitura; de viagem interior e conversas com meu filho para nos prepararmos, dizia a ele como sonhava com o parto, desenhei o parto que queria na minha mente e no papel (sim, eu fiz um desenho de mim parindo numa piscina na sala da minha casa e pendurei na geladeira, era meu mantra!);


Busquei esse parto todos os dias da minha gestação, mas fraquejei em alguns momentos, pensei em desistir de tudo em outros tantos, chorei em quase todos, mas ele estava lá pra me levantar, meu marido, meu amigo, meu companheiro, me encorajou todo o tempo, disse que eu conseguiria, que acreditava em mim, que meu corpo não tinha nenhum defeito e que tudo iria dar certo. Assim, chegamos aos 9 meses, acendi até uma vela com o número 9 pra comemorar (tirei foto e postei no Facebook), e eu fui muito bem recompensada por todos os meus esforços: a pressão arterial que era auferida todo santo dia pelo marido (com estetoscópio e medidor analógico) não se alterou mais, não ganhei nenhum grama no peso corporal, exames de rotina Ok, doperfluxometria (exame que avalia o fluxo sanguíneo da placenta para o bebê e possibilidades de pré-elampsia/eclampsia) Ok, nenhum edema (inchaço) em nenhuma parte do corpo, nem mesmo os edemas comuns durante a gravidez, o parto domiciliar era possível e, se caso ocorresse algo, teria meu GO que sabia de todo o meu desejo e meu histórico para me atender.

Chegaram as 40 semanas, ansiedade batendo, piscina inflável e bola de pilates comprada, apetrechos do PD organizados, já andava com bolsa e bebê conforto no carro (plano B) e já estava com o plano de parto pronto, o qual só entreguei às meninas (EOs), porque no fundo acreditava que o Dr seria apenas o back-up que não seria acionado. Numa quinta-feira, 22 de maio de 2014, meu marido foi acometido por uma forte virose e fomos até a emergência do plano dele e lá passamos, pelo menos, 05 horas e comecei a sentir um desconforto nas costas, achava que era pelo tempo sentada em cadeira desconfortável, mas a barriga também estava contraindo, achava que era as Braxton, contei o que sentia à Bárbara (EO) pelo Messenger do Face e ela perguntou se poderia me ver, eu disse que tudo bem e então ela apareceu lá em casa por volta da meia-noite: PA ok, contrações presentes (hummm), sem dor. Daí ela me pergunta se quero fazer um exame de toque para saber como estamos e eu digo que sim: 3cm, colo centralizado e 50% apagado! Começou! Bárbara foi embora pra voltar na manhã de sexta-feira com o restante da equipe.

Eu não dormi mais! Ansiedade monstra! A sexta-feira de manhã começou animada, equipe de parto presente, fotógrafa presente e meus pais presentes. Marido abatido por conta da virose. Montamos o que chamei de “arena do parto”, com piscina inflada no meio da sala, banqueta no canto, a mesa de jantar foi ocupada pelos materiais médicos, cilindro de oxigênio embaixo da mesa. Passamos a manhã conversando, rindo, tirando fotos. Ganhei escalda-pés com massagem, ganhei massagem nas costas, me emocionei em vários momentos, ri muito em quase todos, comi sorvete (coisa que não fazia há quatro meses), tomei água de côco, almocei.



Chegou a tarde e eu não sentia nada evoluir, não sentia dor, mas as contrações estavam lá, o tempo foi passando, fui dar uma caminhada no pilotis do prédio, agachava. Marido continuava abatido e apático, isso não encaixava. Subi e desci pelo menos dez lances de escada, minha mãe comigo, tirando foto e rindo, dizendo que eu estava tentando impor meu ritmo ao Cauã, mas quem mandava ali era ele e não eu. A noite chegou e eu cansada e frustrada, mandei todos irem embora, eu só queria dormir. O sábado chegou e foi embora. As contrações continuaram. O domingo chegou e nós fomos uma festa de aniversário. Não comi nada! Me comportei, não esculhambaria tudo agora. As contrações continuavam.

A segunda-feira chegou e meu marido amanheceu curado da virose e disse: “Agora eu já estou bom, o neném já pode nascer”. Fomos ao consultório do Dr Antônio Sérgio para contarmos o que vinha acontecendo. Ele conversou muito, disse que eu me tranqüilizasse e descansasse, pois ele estava do lado esquerdo. Solicitou uma cardiotocografia (exame que monitora os batimentos cardiofetais e a intensidade das contrações, exame que marquei para quinta-feira. Ao sair do consultório ele se despidiu dizendo: “Rumo às 45 semanas!” (:o Morri!). Passamos o resto do dia descansando e no final da tarde fui caminhar, os meus 5km conhecidos, relembrando o caminho que tinha percorrido até ali, os obstáculos vencidos, fazia carinho na barriga, conversava com meu filho, dizia que estávamos bem e saudáveis e que eu estava esperando por ele, no momento dele, que não tivesse pressa.

Cheguei da caminhada muito cansada, despenquei no sofá e lá fiquei até a hora de ir deitar, ao deitar me senti desconfortável, com dor nas costas, uma dor incômoda e as contrações mais firmes. Fui pra bola com o marido, a dor melhorou, não passou.



Avisei às meninas pelo Whatsaap e elas acharam melhor ir me ver. Pressão arterial Ok, contrações presentes e eficazes, pedi pra fazer um exame de toque, pois sentia que algo mudara: colo quase totalmente apagado (70%). Luciana foi embora com a recomendação de eu avisar qualquer sintoma novo. Fomos todos dormir. Às 03h da terça-feira, 27 de maio de 2014, acordei com uma vontade enorme de fazer cocô, fui pro banheiro, sentei no vaso, dormi e sonhei que tinha que fazer força, acordei fazendo força e fiz cocô, fiz xixi e quando limpei o xixi, o papel saiu rosinha, tirei foto e mandei pelo Whatsaap, dizendo que não iria acordar ninguém porque iria demorar mesmo e de manhã todos veriam as mensagens. Fui dormir. As costas doendo. As contrações firmes.

Despertei às 04h da manhã, sentindo algo quente descendo de dentro da minha barriga e PLOFT! Líquido quente escorrendo pelas pernas. Acordei o marido com bastante calma mas quando disse: “Amor, a bolsa rompeu!”, ele deu um salto e ficou de um lado pro outro no quarto.
Eu disse: “Calma! Eu vou levantar!”- olhamos o lençol, parecia que tinha caído água, cor nenhuma, só molhado, de repente TXÁÁÁ´, mais água escorre, dessa vez rosinha (ah! detalhe que eu tinha perdido o tampão mucoso uma semana atrás!) tirei foto de tudo e mandei pelo Whatsaap e resolvi com o marido que só acionaria a equipe se o trabalho de parto engrenasse mesmo. Cd com a trilha sonora escolhida tocando, as contrações começaram a vir intensas, doloridas e ritimadas. Vinham de dois em dois minutos e duravam de 30segundos a 1 minuto. Eu tremia, me debruçava, caminhava no corredor de casa entre as contrações. Doía. Eu não gemi, não gritei.

Fiz cocô mais quatro vezes (corpo se limpando para o parto! A natureza é perfeita!) e como doía uma contração sentada no vaso sanitário! Tomei água de côco e o marido acompanhava tudo, marcando a duração e intervalo das contrações. 04h45 eu disse: “ Vamos ligar ou esse menino vai nascer só!”. 05h a Lu chegou lá em casa, meus pais chegaram pouco tempo depois e já tinha começado a gemer durante as contrações. Doía. Queimava. Fizemos um exame e eu estava com 6cm! “Mas já?”. Comecei a sentir uma vontade incontrolável de fazer força, era uma força que vinha de dentro, querendo sair, como um vulcão em erupção. Me apoiava nas pernas do meu marido e acocorava, passava e eu caminhava. Aí já não ouvia, não via, só sentia e rugia a cada contração. Me despi de mim mesma e virei bicho. Pegava fogo e eu sentia muito calor. Não queria massagem. Não queria que ninguém me pegasse. Quis um banho. GELADO. Que alívio.

Fiquei de quatro apoios dentro do boxe do banheiro pequenino, só cabia eu ali. A água caía nas costas e eu não sentia mais dor, só força, até que: “Luuuu, tá ardendo, ta ardendo.” Era o famoso círculo de fogo. Ele estava vindo e eu escutava os sinais. A Lu me tirou do banheiro, fui pra cama e lá fiquei de quatro apoios durante as contrações e apoiada na bola no intervalo entre elas. Durante as contrações sentia dor e meu corpo agindo e pensava se seria capaz, se conseguiria; depois das contrações, encontrava os olhos do meu marido e dizia pra mim e pra ele: “Amor, eu consigo! Não se preocupe!”- e ele dizia que sabia que eu conseguiria. Cauã coroou mais duas vezes e voltou. Foi quando fiquei de joelhos, abracei a barriga e disse: “Vem meu filho, vem Cauã!” e ele veio, às 06h35, com 54,5cm e 4245g, com uma contração longa, forte e eu já não lembro se senti dor nesse momento, ouvi sua voz fora de mim e seu corpo ainda dentro de mim. Houve um tempo de descanso e mais duas contrações e meu filho saiu direto para as mãos do pai dele e depois para as minhas costas, onde ficou até eu regressar da Partolândia e pedir: ‘Eu quero ver o meu filho, como é que eu faço?” – o pai dele o passou por baixo de uma de minhas pernas e eu o peguei AHHHHHH! Que calor, quanto amor, quanto prazer, quanto PODER!


Contemplei minha cria por não sei quanto tempo, achei que choraria mas só consegui sorrir e dizer o quanto ele era lindo. Depois amamentei, pari a placenta com outras contrações. Fui costurada de uma laceração natural de 5 pontos. Pari sem ocitocina sintética, sem litotomia, sem episiotomia, sem anestesia, sem puxos dirigidos, sem kristeller, no meu lar, na cama onde meu filho foi concebido, onde foi gestado. Nasceu na hora que quis, foi aparado pelo pai, ficou comigo, mamou, foi beijado e abraçado pela mãe. Não tomou banho, não foi aspirado embora estivesse com um chiadinho que sumiu após mamar, não recebeu nitrato de prata nem vitamina k, só recebeu amor! Seu cordão foi cortado tardiamente, quando já não pulsava e após a saída da placenta pelo seu pai. A placenta foi guardada e plantada, e hoje nutre uma ameixeira. Agradeço ao meu marido, à minha mãe, meu pai, à Fernanda, ao Roda Gestante, na pessoa de Milena, à Iraína, ao Dr Antônio Sérgio, à Zél, à Vanessa Cavalcanti, ao grupo AME. Todos foram importantes e partes dessa conquista. Quero outros filhos, quero outros partos, todos dignos, respeitosos e cheios de amor como esse foi. E parto normal não é bom porque a recuperação é melhor, é bom porque você protagoniza esse momento, porque você sente tudo e faz acontecer, porque você traz o seu filho ao mundo!

Parir é bom demais!





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