domingo, 18 de agosto de 2013

Relato de Parto (ou seria desabafo de um parto?)

Por: Porllanne Sant'Anna
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Era 3 de abril do ano de 2013, eu completara 37 semanas de gestação e, como já fazia parte da minha rotina a cada mês, fui para a consulta de pré-natal. Minha barriga já estava enorme e a minha filhota, Ágatha, se pudesse falar, certamente iria reclamar o pouco espaço que lhe restava para fazer as piruetas que ela tanto adorava. 
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Desde o início das consultas com a médica que passou a me acompanhar desde a 17ª semana de gestação eu deixei claro o meu desejo pelo parto normal e, para tanto, fiz de tudo para que este feito fosse possível: cuidei da minha saúde, me alimentei de forma saudável, acompanhei cada passo do desenvolvimento da minha pequena e, sobretudo, contei com a própria fisiologia feminina, que foi bastante generosa comigo me dando total condições de parir!
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Para esta consulta em questão, eu fui acompanhada pela minha mãe, uma vez que o maridão não conseguira fugir do trabalho para me acompanhar, como de costume. Passadas as análises de praxe de um pré-natal, a Srª. Drª. me surpreendeu ao encaminhar-me até o banheiro, pedindo que eu tirasse a roupa para que fosse possível a realização do exame de toque, afirmando que se o colo do meu útero já estivesse maduro, iria marcar a cesárea.
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Entrei em pânico! Só estava com 37 semanas e não queria nem ouvir a palavra cesárea... Mexe pra lá, mexe pra cá, eu, pega de surpresa, estava super tensa e sentia, além do desconforto, muita dor com o tal do toque. Foi então que a Srª. Drª., com uma carinha de pena, exclamou que minha pelve era muito estreita para a realização de um parto normal, prevendo um possível problema na hora da passagem da bebê. 
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Sem entender nada, fui me trocar enquanto ela conversava com a minha mãe para que esta me convencesse a agendar a ‘desnecesárea’. Dona Cristina, por sua vez, como toda mãe e avó que se preze, foi concordando com tudo o que ela dizia, certa de que a médica, pelos vinte anos de experiência que tinha, estava coberta de razão no que defendia.
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Pronto! A sementinha do mal já havia sido plantada e eu, mãe de primeira viagem, acreditei em tudo e cedi. Marcamos a desnecesárea para dali a 7 dias, dia em que eu faria 38 semanas.
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Saí do consultório em choque, afinal, já estava com o colo do útero bem fino e podia entrar em trabalho de parto a qualquer momento, então, porque não podíamos esperar? Percebi que havia algo errado: eu não estava feliz com o nascimento da minha filha. Havia esperado por aquele momento com tamanha ansiedade e não conseguia sentir-me feliz com a aproximação daquele sonho.
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Decidi voltar atrás. Conversei intimamente com Ágatha e ela, de alguma maneira, me encorajou a tomar a decisão, resultado: dois dias antes da cirurgia liguei para a médica e desmarquei o procedimento, sob a alegação de que eu e meu marido não estávamos seguros de que tirar de forma tão abrupta a nossa neném do meu ventre, com apenas 38 semanas, era a coisa mais certa a se fazer. 
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Marcamos então outra consulta para a semana seguinte, pois a Srª. Drª. achou necessário ‘conversar’ com nós dois. Chegando o dia do novo encontro, ela fez novamente aquela carinha de pena e indagou o que ocorrera para que mudássemos de ideia.
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Sem querer ouvir novamente nada do que ela tinha a dizer, fui me adiantando e explicando que não acreditava que uma cesárea deveria ser uma cirurgia eletiva. Se eu realmente não tivesse passagem, queria esperar para ver e, caso fosse necessário, faríamos a cirurgia.
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Ela então me veio com um tiro certeiro: pediu que eu me despisse para fazer novamente o exame do toque, e aproveitou aquela situação em que eu estava totalmente vulnerável e indefesa para convencer a mim e a meu marido a optarmos pela cesárea. Falou dos casos em que o parto normal é anormal e deixam sequelas nos bebês, devido à falta de oxigenação. Ela dizia que minha pelve era muito estreita, que minha mãe quase morre no parto devido ao mesmo problema e que a probabilidade de ocorrer o mesmo comigo era imensa, que a Santa Casa de Maceió não tinha estrutura para o parto normal (ela só podia fazer meu parto pelo plano de saúde na Santa Casa) e que eu corria o risco de ficar batendo de porta em porta nos hospitais de Maceió para conseguir leito. Chegou até a dizer que era melhor para o meu marido, que trabalha viajando e poderia não estar em Maceió no dia do parto, caso esperássemos a natureza agir por si só. 
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Feito o toque, ela observou que eu já estava com 2cm de dilatação e as contrações de treinamento, que eu sentia desde o 6º mês, haviam se transformado em ‘contrações de verdade’ há três dias. Elas vinham se ritmando e era um misto de cólicas menstruais com dor de barriga. Eu achava até engraçado: como podia um momento tão especial se parecer com vontade de fazer cocô?? Rsrsrsrsrs
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Tudo estava se encaminhando bem, a natureza seguia seu curso e quando eu comecei a contestar todos os argumentos da Srª. Drª. ela, sem mais o que dizer, disparou: “Eu não faço seu parto normal de jeito nenhum”! Deu mais uma olhadinha nos dados que ela tinha no notebook e exclamou: “Meu Deus, agora que eu vi que sua neném está laçada (era apenas uma volta e o cordão era enorme). Porllanne, você é louca? Está colocando a vida da sua filha em risco! Pense nela, seu parto normal é uma bomba relógio e vou logo alertando: nenhum médico que eu conheço fará seu parto normal sob estas condições”.
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Pronto! Semente do mal plantada mais uma vez e meu marido me olhou assustado dizendo: “Vamos marcar, amor, é melhor”.
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Sem forças, sem argumentos e sem ninguém para me apoiar, marcamos a cirurgia para o dia seguinte, pois a Srª. Drª. não podia esperar.
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Fomos para a casa preparar a chegada da Ágatha. Fizemos feira, terminamos de arrumar a bolsa e o quarto dela e a cada meia hora, mais ou menos, eu sentia uma contração. Às vezes com dor, às vezes sem. Era mágico, uma dor deliciosa! Eu só queria que a dor aumentasse e quando isso ocorria, eu respirava fundo e sorria.
Fiquei triste. Minha filha já viria ao mundo tendo seu direito de nascer cerceado, por isso chorei baixinho a noite toda e no dia seguinte, antes de ir ao hospital, liguei para uma amiga, que me encorajou a desistir, a dizer não àquele absurdo. Mas fui covarde, tive medo de assumir tudo sozinha. E se realmente acontecesse algo de errado com minha filha? Eu jamais iria me perdoar. Então, passei a sentir raiva da minha covardia! Voltei a chorar, discuti com meu marido, dado o nervosismo, e assim, naquele clima pesado, fomos ao hospital, assistir nossa filha ser arrancada do conforto do meu ventre para este mundo cão. Sim, assistir como telespectadores, e apenas isto. Doía-me não sermos protagonistas deste momento tão especial. 
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E foi assim, entre procedimentos cirúrgicos e conversas paralelas, que definitivamente não se encaixavam àquele momento, que minha pequena veio ao mundo! Eu estava com as mãos amarradas, com a cabeça sendo acariciada pelo meu marido, que narrava baixinho tudo o que acontecia. Parecia que nem estávamos ali, ou que pertencíamos a uma atmosfera diferente. A equipe médica presente falava sobre escola de seus filhos e me tratava meramente como um pedaço de carne. Essa parte eu prefiro esquecer e lembrar-me apenas da hora em que ouvi aquele chorinho. Parecia um passarinho chamando pela mãe, no ninho.
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Levaram-na até a mim, e tudo o que eu tive tempo de dizer antes de nos afastarmos novamente foi: “Você chegou! Mamãe esperou tanto por você, minha filha!”. Naquele momento não pude segurá-la em meus braços e colocá-la em meu peito, como sonhara, mas deixei claro que queria amamentá-la o quanto antes, pedido que foi atendido quando cheguei, meio ‘grog’, à sala de observação.
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Hoje, quatro meses depois da desnecesárea, ainda sinto as dores físicas e psicológicas de ter um direito ferido e prometi a mim mesma que jamais iria permitir que alguém me tirasse novamente o direito de parir! 

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