quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Relato de Parto Domiciliar de Cícera Oliveira

RELATO DE PARTO DOMICILIAR DE CÍCERA OLIVEIRA - NASCIMENTO DE ELIZA

que veio de Sergipe pra parir em Maceió!



Sempre tive o sonho de ser mãe e esse sonho se tornou realidade no ano de 2013, quando tive minha primeira filha. Apesar de ter sido uma gestação de risco que culminou em um parto induzido, me senti a mulher mais feliz do mundo por ter parido minha Liz Helena em um “parto normal” (com direito a muitos toques dolorosos e desnecessários; descolamento de membranas, sem nem saber do que se tratava; muita ocitocina artificial; trabalho de parto em posição litotômica; durante 5 horas entre as fases de transição e o expulsivo minha filha não foi auscultada uma única vez; fiquei no centro cirúrgico largada e com a “GO fofinha” falando que não sabia por que dr. “Fulano” tinha me mandado pra lá, enfim). Depois que fui entender toda violência que havia sofrido.

Como toda mãe, e principalmente por ser de primeira viagem, logo que minha filha nasceu lia muitas páginas, sites, blogs ,etc.  relacionados ao mundo materno e foi quando tive conhecimento da extrema violência que as mulheres e bebês sofrem num parto hospitalar, seja ele em ambiente público ou privado, e consequentemente, a mesma violência sofrida por mim e minha filha. O que até então eu havia considerado “normal”. Paralelamente, também comecei a conhecer o lindo mundo do nascimento humanizado, inclusive várias páginas incluindo a de um grupo de enfermeiras obstetras que acompanhavam parto humanizado na cidade de Maceió-AL, estado próximo ao meu. Como pretendia ter outros filhos decidi naquele momento que não queria mais passar por tudo que tinha passado, que na próxima gestação tudo seria diferente. Eu nunca tinha parado pra pensar no que tinha acontecido com minha filha. Depois que pari levaram ela e a trouxeram pra mim umas, sei lá quantas horas depois, por que umas das tantas coisas que perdemos dentro de um ambiente hospitalar é a noção de tempo. Eu a peguei, ela estava muito cheirosinha, eu achei o máximo. Hj reflito, o quanto de mãos que a pegaram e deram banho nela não sei de que forma. O banho foi nas suas primeiras horas de vida. Ela não teve oportunidade de usufruir dos benefícios que o vérnix proporciona. Num dos momentos mais especiais das nossas vidas, tiraram ela dos meus braços, roubaram nosso “imprinting”, pra realizar nela procedimentos desnecessários, apenas pra cumprir protocolos hospitalares ultrapassados, que há tempos a Organização Mundial da Saúde não mais recomenda.

Quanto mais pesquisava, mais me dava conta do absurdo que tinha acontecido comigo e minha filha e que acontece com tantas mulheres e seus filhos diariamente. Ao mesmo tempo em que crescia em mim uma extrema aversão ao ambiente hospitalar. Sem falar na indignação que senti ao saber que passei por tantos procedimentos desnecessários, mas o que mais doía em mim era saber que a minha pequena tinha sofrido tantas intervenções sem necessidade alguma, me senti muito mal, culpada por que de certa forma, toda violência sofrida por minha filha, foi fruto da minha desinformação. Decidi que no meu próximo parto seria diferente. Estava decidida a parir com respeito, rodeada de pessoas queridas e em ambiente domiciliar.
Alguns meses depois, descobri que estava grávida pela segunda vez! Quanta felicidade e esperança de que tudo seria diferente! A primeira coisa que fiz foi entrar em contato com o grupo AME, que mencionei acima. Responderam-me positivamente e fiquei feliz da vida. Apesar de não serem do mesmo estado que eu, existia a possibilidade de me atenderem aqui em meu estado. Por isso fiquei super tranquila. Gestação de baixo risco, que era a minha principal preocupação, visto que a primeira havia sido de alto risco. Tudo estava indo bem.

A partir de então, meu tempo livre era dedicado totalmente a pesquisas relacionadas ao mundo do parto humanizado. Lia diariamente vários relatos de partos, assistia vídeos, etc e percebia o quanto é importante não apenas a gestação, mas a chegada da criança ao mundo.
Cada vez mais descobria o quão cruel e desumano é o sistema obstétrico do nosso país, onde o que vale é a comodidade pra equipe de parto, e não pra parturiente que no momento mais especial de sua vida é tratada como uma coisa qualquer e tem que fazer não a sua vontade, a vontade do seu corpo, mas sim a vontade do “doutor”.

Pesquisei muito mesmo. Li milhões de relatos, vi filmes, documentários, em especial o Renascimento do Parto e tudo isso fez com que eu me encorajasse e consequentemente encorajasse meu esposo também. Proporcionar um nascimento digno pra nossa filha passou a ser a nossa prioridade.

Pouco tempo depois, através de um e-mail fiquei sabendo que não existia mais a possibilidade da equipe AME acompanhar partos em outra cidade/estado. Nesse momento fiquei sem chão. Mas não desisti. Comecei a procurar outras equipes, porém sem sucesso. Nenhuma toparia assistir ao meu parto por conta da distância de suas cidades de origem para a capital do estado que eu moro (detalhe: moro no interior, mas a ideia seria me mudar pra capital pra poder ter um PD. Mas acabei mudando de estado!)

Até que Priscila, minha querida doula que me acompanhava no meu estado me incentivou a entrar em contato novamente com a equipe AME e apelar. Assim fiz. E elas me responderam que realmente não havia a possibilidade de virem para meu estado, mas me sugeriram ir pra Maceió/ Alagoas com 37 semanas e parir minha filha lá, disseram que me dariam todo apoio e suporte necessário.
E, depois de muito refletir, decidimos que não iríamos passar pela mesma violência do primeiro parto. Decidimos mudar de estado para poder ter um parto respeitoso. Um parto humanizado. O nosso parto domiciliar planejado. Alugamos um apartamento e ficamos lá até oito dias após o nascimento de Eliza.

Enfrentamos inúmeros desafios, mas nenhum foi maior do que nossa vontade de proporcionar um nascimento com respeito para nossa filha.
 “E, como a nossa casa é onde o nosso coração está...” Eliza nasceu às 7:25 do dia 27 de março de 2015 em um lindo e emocionante parto domiciliar planejado, na água, direto pro colo da mamãe e junto do papai e da irmãzinha mais velha em um ambiente doce e sereno, assistidos por uma equipe incrível que fez com que cada momento dessa grande aventura se tornasse inesquecível.

Comecei a sentir algumas colicazinhas às 10:30 do dia 26.03. A tarde teria consulta com uma das enfermeiras obstetras da equipe que iria acompanhar meu parto e minha doula Kiara de Maceió (sou muito sortuda, tive duas doulas ha ha) também iria.
Na consulta conversamos bastante, tirei dúvidas, fui examinada e concluímos a consulta meditando. Na hora da meditação Eliza mexeu de uma forma diferente, senti que estava chegando a hora. Como há alguns dias já vinha sentindo algumas dores, nem cheguei a mencionar na consulta, achei que poderiam ainda ser os pródromos, já que não era a primeira vez que as sentia. Mas essas eram diferentes.


A meditação foi maravilhosa, fiquei super relaxada e tranquila. As meninas foram embora. Meu marido minha filha e eu jantamos,falei com minha mãe por telefone e depois fiquei trocando mensagens pelo whats app com minha fotógrafa, acertando os detalhes, pois no dia seguinte seria meu ensaio de gestante, e continuava sentindo as mesmas dorzinhas. Tomei um banho quente e demorado e fomos deitar. Sabia que com o banho, se realmente fosse trabalho de parto as contrações aumentariam. E assim foi. Deitei do lado esquerdo pra ver se conseguia pegar no sono, não consegui. Senti que realmente estava chegando a hora de Eliza nascer e fiquei muito feliz por saber que em breve estaria com minha princesinha em meus braços, mas não imaginei que seria tão breve assim rsrs. As contrações foram aumentando. Entrei em contato com Kiara  e com Bárbara, pouco mais das 22 horas. Ambas me disseram pra tomar um banho morno e deitar de lado. Disse que já tinha feito isso e as dores tinham aumentado. Ficamos trocando mensagens enquanto eu contava as contrações, e elas foram ficando cada vez mais ritmadas e intensas. Bárbara pediu pra eu tomar outro banho e disse que já estavam a caminho. Enquanto isso ficamos nos falando. Levantei, acordei meu marido e ele foi para o banheiro comigo. Antes do banho as contrações estavam de 7 em 7 minutos, durante o banho passaram para  4 em 4 minutos. Saí do chuveiro. As meninas chegaram. Me senti muito segura com a chegada delas e me entreguei para aquele momento ao qual eu havia sonhado durante tanto tempo.


O ambiente estava perfeito: pouca luz, incenso, nossa trilha sonora... Pouco depois, chegaram Vanessa minha fotógrafa e Luanna EO que também faz parte do grupo AME. As contrações foram aumentando. Às 2:00 am estava com 5cm de dilatação. Foram 6 hs de trabalho de parto em que durante as contrações, eu tinha liberdade pra fazer o que eu quisesse, procurava a melhor posição, seja no chuveiro, na bola, na banqueta, agachando (foi a posição que me senti melhor), andando, dançando com meu marido, eu recebia muito amor, carinho, massagens, fui acolhida, abraçada, beijada e amada por cada um que estava ali presente, inclusive por minha filha de 2 anos que poucos antes da irmã nascer acordou e  não estava entendendo muito, mas estava ali presente, me dando muito carinho. Em nenhum momento senti medo, insegurança, ou senti que não ia conseguir, pelo contrário, me senti extremamente à vontade, me senti em casa, pois como diz a música de Arnaldo Antunes “A nossa casa é onde a gente está, a nossa casa é em todo lugar”. O vínculo criado entre mim e a equipe, a empatia que rolou entre a gente foram essenciais para que meu TP evoluísse e para que fosse tudo tão lindo como foi.




Quase às 5 da manhã já estava com 9 cm e as contrações bem fortes, porém Eliza ainda estava um pouco alta, e as meninas usaram a técnica do rebozo que ajudou muito no encaixe dela. Minha filha acordou mais ou menos nesse horário. Pedi pra ir pra piscina, pois as dores estavam bem fortes e sabia que iriam amenizar com a água quente, mas Bárbara me sugeriu ficar mais um pouco na bola. Às 5 hs entrei. Que delícia! Senti o alívio que imaginava. Realmente as contrações ficam muito mais suportáveis na água quente. Logo em seguida meu marido e Liz entraram também. De tão relaxada que fiquei, as contrações ficaram mais espaçadas. Nessa hora fiquei um pouco tensa, o TP estacionou por um tempo. As meninas usaram algumas técnicas naturais e o famoso chá de parto, logo depois as contrações voltaram a engrenar. Pouco depois chegou Giselle, outra enfermeira obstetra integrante do AME.









Às 7:25 de um lindo dia ensolarado, nasceu a minha Eliza, com toda tranquilidade, serenidade e calma que um nascimento respeitoso pode proporcionar, quase empelicada rsrs, pois a bolsa só estourou mais ou menos 5 minutos antes dela nascer, ela veio direto para o colinho da mamãe, junto do papai e da irmãzinha que assistia a tudo com os olhinhos brilhando, e aos olhos do grupo de mulheres incríveis que contribuíram para que esse momento fosse tão especial!






Imediatamente ao nascer eu a peguei e logo em seguida foi colocada ao meu seio. E ela me olhando com aqueles olhinhos brilhando!
Depois de curtir aquele momento mágico, levantei e fomos para a cama, ela ainda estava ligada ao cordão. Fiquei esperando a placenta nascer e lambendo a minha cria enquanto ela mamava. E ela mamou muito em sua primeira hora de vida, até adormecer. Um tempo depois o papai cortou o cordão. Eliza não foi retirada dos meus braços pra ser cuidada por estranhos. Eliza não foi aspirada, não recebeu colírio de nitrato de prata, o qual deve ser utilizado apenas para casos de mãe com suspeita de gonorréia e ou clamídia e as maternidades usam em todas as crianças como rotina, também não recebeu a dose de vitamina K por que, apesar de estar ciente de que não existem evidências que confirmem a não necessidade dessa vacina, preferimos não aplicar. Ela não tomou banho no primeiro dia de vida, sua pele aproveitou todos os benefícios que o vérnix pode proporcionar a um recém-nascido e eu como mãe também aproveitei muito aquele cheirinho delicioso. É só lembrar aquele dia que também lembro dela com cheiro de vérnix. Foi só amor, Tudo perfeito!


Nem eu nem minha filha sofremos qualquer tipo de intervenção. Minha alma foi lavada depois de tanta violência sofrida no meu primeiro parto. O meu corpo trabalhou perfeitamente e minha princesa nasceu na hora dela. Por que as mulheres sabem parir, só precisam de apoio em um momento tão importante de suas vidas. E os bebês sabem nascer. Basta que lhes seja dada a chance de vir ao mundo no tempo deles.

Nós conseguimos! Lutamos por um nascimento digno pra nossa Eliza, por um parto natural sem intervenções, para que nossa filha chegasse na hora dela. E conseguimos. Não nos contentamos com o modelo de assistência obstétrica determinado pela sociedade. Decidimos fugir desse sistema obstétrico arcaico, desumano que oprime e rouba de tantas mulheres o momento mais precioso de suas vidas, o nascimento de um filho. Os quase 500 km que percorremos em busca de um parto com respeito foram pouco diante da imensa alegria que tivemos diante da realização do nosso sonho.
Hoje meu sentimento é de gratidão, ao meu esposo Dedé que, após entender o quanto de intervenções desnecessárias uma mulher e um bebê sofrem em uma maternidade e o quanto essas podem ser prejudiciais e traumatizantes pra o resto da vida, não mediu esforços para se mudar comigo e nossa filha para um estado diferente com o objetivo de sermos protagonistas do nosso parto, da nossa história. À minha irmã Sol que me deu todo apoio necessário mesmo sem entender bem do que se tratava (nas nossas famílias, só ela sabia da nossa aventura). À nossa pequena Liz, que mesmo sem entender foi a principal responsável pela busca de um nascimento humanizado para sua irmãzinha. À minha doula Priscila que não estava comigo no parto, mas que me dizia sempre: “É melhor eu não estar com você e teres um parto respeitoso do que eu estar com você e teres um parto desumano”.

A todas as mulheres, casais empoderados que conheci durante essa linda trajetória. A Ric Jones, que por providência divina tivemos a honra de conhecer (justamente no final de semana que nos mudamos teve o I Seminário de Humanização do Nascimento em Maceió) e nos deu a maior força, e finalmente ao grupo AME (Apoiando mulheres empoderadas), Giselle, Luciana, Bárbara, Carla e Luana(enfermeiras obstetras) Anne Laura (Enfermeira neonatologista), Kiara (doula) Mônica(secretária) e Vanessa(fotógrafa). Um grupo de mulheres incríveis que lutam para devolver à mulher o seu protagonismo que foi roubado no momento que o parto deixou de ser um evento fisiológico sendo transformado em patologia, e pela mudança do mundo pela forma de nascer. Muito obrigada. Vocês proporcionaram a melhor experiência das nossas vidas!
Eliza nasceu com amor. Todos nós (re)nascemos.




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