quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

POR QUE VAMOS ÀS MATERNIDADES ??



Eu sempre dizia que não faria apologia ao parto em casa, pois achava uma decisão muito íntima, uma escolha que mexe com medos profundos, e medo já é um problema para as mulheres de hoje que querem fazer parto normal. Decidir pelo parto normal humanizado (sem episio, kristeller, amniotomia, ocitocina de rotina, litotomia), portanto, já era suficiente para minhas inúmeras tentativas de humanizar o nascimento entre as mulheres brasileiras.

Mas pense bem, uma mulher que quer um parto humanizado de verdade, pela lógica, tem que recorrer também a um hospital humanizado, pois não adianta a mulher ser preservada em sua integridade física, ter um GO respeitador e paciente, se o bebê sofre horrores em seus primeiros minutos de nascimento.

Ou seja, mamãe tá lá contente e poderosa porque pariu humanizado, e neném tá la num choro de se esgoelar porque nasceu num ambiente de terror; O bebê se acaba de chorar com aquela recepção protocolar violenta, e como muito se discute, pode levar isso como trauma para toda infância.
Se a mulher não tem a opção de ter um hospital humanizado em sua cidade, o Plano de Parto talvez seja suficiente para que respeitem seu neném. Talvez, talvez, e talvez mesmo, pois NUNCA ouvi relato de pediatra aki em Maceió, por exemplo, que tenha abdicado daquelas práticas generalizadas como injeção de vitamina K, aspiração, colírio nitrato de prata, banho com esfregação, tempo de observação em berçário...

Até porque pediatra de maternidade num faz pré-natal com a mulher gestante, não conhece nada de sua filosofia de vida e nascimento, então, porque “respeitar” teu filho? Nem sabe que isso é desrespeito. Seu filho para eles é só mais um que deve passar pelo crivo tecnocrático de chegada ao mundo, criado por uma ciência ultrapassada, automatizada, imediatizada, e despreocupada com a felicidade e tranquilidade psicológica de um mero recém-nascido.

Para além desse imenso problema vivido por nossos frágeis nenemzinhos nos hospitais, ainda tem o problema de perda daquela “magia” do nascimento. Fico abismada por sinal, como quase todas as colegas que fizeram parto “humanizado” hospitalar, me afirmam com veemência que “o próximo será em casa”. Isso porque elas já descobriram que sabem ter filhos, que não precisam de um enorme aparato hospitalar para isso.

A OMS atesta que mais de 80% das mulheres vão parir (podem parir) sem nenhum transtorno à saúde.

Para quê ir para hospital se eles estão desumanizados então? Ouço muitas dizerem que o parto foi bom, mas o ambiente em si era totalmente dispensável, isso porque hospital é asséptico, além de não respeitar seu filho, tem pessoas desconhecidas, você entra e todos já sabem que vc está de passagem, vc tem que seguir regras, vestir aventais, deitar em macas, sair em cadeiras de roda, sentir aquele frio, gritar o mais baixo possível, tem limites de pessoas da família para entrar, tem burocracias para sair, tem que ter cuidado ao tocar em coisas, pois podem estar infectadas, não te darão comida, bebida, velas, incensos, músicas, só reprimendas normativas...

Quem conhece a história da obstetrícia, sabe que nosso parto foi roubado por um “projeto civilizador”, higienista, por um discurso médico aterrorizante que adoeceu nossos poderes de parir. Dantes, tínhamos redes femininas de ajuda ao parto (comadres, negras, parteiras, entendidas, pegadoras de meninos), tínhamos rezas, cantigas, rituais, e conhecimento sobre partos. Quando o médico, homem branco e de elite entra em cena, nos meados do século XIX, ele tenta nos ajudar também, mas a princípio nos tornando objeto de suas primitivas investigações científicas.

Curioso para cessar nossas “dores” e descobrir nossos “poderes”, paralelamente, a presença do médico homem destruiu toda riqueza de uma “cultura uterina”, pois para a nova ciência obstétrica, espiritualidade, apoio, conexão, feminilidade, e afeto, não significavam NADA na hora do parto.

A princípio, a obstetrícia fora tão despudorada em seu mergulho ao interior do corpo feminino que transferiu nossos partos aos hospitais maternidades sem o mínimo de legitimidade empírica, baseada apenas em um discurso incontestável de superioridade, e na vontade de obter um local adequado para nos medir, mexer, sangrar, estancar, testar, socorrer, cobrar, “cirurgificar”, e melhor, ninguém assistir. 

Sua base inicial foi desenvolver uma matemática para a pélvis feminina (pelvimetria), e disseminar angulações que permitiam a criação de uma variedade de fórceps, craniótomos, basiótribos, embriótomos, sinfisiótomos. Vendo as fotos desses instrumentos, dá para termos ideia do quanto mulheres morreram e sofreram com aquilo que chamavam “segurança hospitalar”, do quanto fomos subjugadas a crer que esses homens é que estavam certos, e não nossas amigas filantrópicas parteiras. Fomos cobaias de experimentações como partos sob sedação total, partos induzidos com ocitócitos, partos sob efeito de alucinógenos, de morfina, partos em que a mulher era amarrada e se mantinha debatendo, cheia de hematomas, e diante dessa situação vexatória, os leitos eram cobertos como barracas, para que ninguém as pudesse ver.

Também, uma enxurrada de preconceitos passaram a ser disseminados contra as práticas de partejar em casa, os atendimentos domiciliares ficaram sob suspeita, e, aos olhos da NOVA assistência ao parto, agora controlada pela medicina universitária e profissional, parir em casa se tornou um evento sujo, rústico, e imundo, daí é que a imagem do médico antes vista com desconfiança na intimidade do parto, incidiu posteriormente significando segurança e proteção.

Devemos lembrar que por essas épocas, o lobby financeiro da medicina era elevadíssimo, e que portanto, demorou muito para surgirem críticas a esses modelos “civilizadores” e "desenvolvidos" de assistência ao parto.

Porém, "tudo que é sólido se desmancha no ar", e em toda história do surgimento de maternidades e de transferência maciça de partos para lá, houve um incômodo generalizado que só apareceu a nível global no ano de 1979 quando a Organização Mundial de Saúde, atenta às denúncias do movimento feminista, abrigou o primeiro Comitê Europeu sobre Parto. Perceberam que não havia nenhuma pesquisa científica comprovando que partos em hospitais eram mais seguros, e ao contrário, questionavam porque a taxa de morbidade e mortalidade entre parturientes havia disparado se os investimentos em tecnologias para o parto estavam em alta?

É nesse período que se cria o movimento da Medicina Baseada em Evidências. Sim, a MBE nasce como um movimento social de profissionais de saúde e pesquisa, que almejavam, sobretudo RESPONSABILIDADE para com a ciência médica. 

Diga-se que hoje em dia estudos no mundo inteiro têm comprovado que taxas de mortalidade materna e neonata não são maiores em partos em casa se comparados a partos hospitalares. Ademais, pesquisas tem reforçado a imensa satisfação de mulheres que tiveram seus filhos em domicílio, se comparado as que tiveram em hospitais.

Finalmente, eu, mulher, também sofrida e amada por meu parto, sugiro que não tenhas medo de humanizar-se de verdade e integralmente, que não tenhas receio de parir em seu ninho com a simplicidade de nossas ancestrais, pois a história está ao nosso lado, corroborando para um desfecho quase sempre perfeito. 

Por: Shayana Busson- Maceió/jan 2015



REFERÊNCIAS:


DINIZ, Carmen Simone Grilo. Humanização da assistência ao parto no Brasil: os muitos sentidos de um movimento. Ciênc. saúde coletiva vol.10 no.3 Rio de Janeiro July/Sept. 2005.

DOSSIÊ PARA A CPMI DA VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES. Violência Obstétrica “Parirás com dor” elaborado pela Rede Parto do Princípio. 2012

FAÚNDES, Aníbal; PÁDUA, Karla Simônia de; OSIS, Maria José DuarteI; CECATTI, José Guilherme; SOUSA, Maria Helena de. Opinião de mulheres e médicos brasileiros sobre a preferência pela via de parto. Rev. Saúde Pública vol.38 no.4 São Paulo Aug. 2004.

FAURE, Olivier. Olhar dos médicos. In: CORBAIN, Alain; COURTINE, Jean-Jacques,
VIGARELLO, Georges. História do Corpo. Da Revolução à Grande Guerra. Volume II.Rio de Janeiro:Vozes, 2008.

FREITAS, Patrícia de. “A mulher é seu útero”: a criação da moderna medicina feminina no Brasil. Antíteses, vol. 1, n. 1, jan.- jun. de 2008, pp. 174-187.

MEDEIROS, Renata Marien Knupp; SANTOS, Inês Maria Meneses dos; SILVA, Leila Rangel da. A escolha pelo parto domiciliar: história de vida de mulheres que vivenciaram esta experiência. Esc Anna Nery Rev. Enferm 2008 dez; 12 (4): 765-7.

TORNQUIST, Carmem Susana. Parto e poder:o movimento pela humanização do parto no Brasil. Tese de Doutorado- Universidade Federal de Santa Catarina. 2004.

Nenhum comentário:

Postar um comentário